quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Escuta Telefônica com Prazo Excessivo

HABEAS CORPUS Nº 76.686 - PR (2007/0026405-6)
RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Em favor dos uruguaios Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern, residentes em Curitiba, os advogados Cezar Bitencourt e Andrei Zenkner vêm ao Superior Tribunal com este habeas corpus, a fim de nos pedir decretemos a "nulidade ab initio do Processo Penal nº 2006.70.00.019980-5, (...) em tramitação perante o juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR, na medida em que instaurado com base em provas ilícitas". Provém o constrangimento ilegal, segundo os impetrantes, do acórdão – em habeas corpus – da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região de ementa seguinte (24.10.06): "Habeas corpus. Prisão preventiva. Pressupostos. Interceptação telefônica. Prova ilícita. Inocorrência. Constrangimento ilegal inocorrente. Garantia da ordem pública. Conveniência da instrução criminal. Aplicação da lei penal. Ordem denegada. 1. Não há ilegalidade da decisão que decretou a interceptação telefônica, bem como nas posteriores renovações da medida pois se encontram fulcradas em relevantes indícios das práticas delituosas. 2. Afastado o sigilo telefônico e persistindo os fundamentos que o originaram, mesmo considerando os argumentos dos impetrantes de que foram infrutíferas as interceptações, este resultado não afasta a necessidade da medida, frente à verificação da intrincada rede de atividades ilícitas perpetradas pela organização criminosa, sendo imprescindíveis tal meio de prova. 3. Inexistência de afronta ao princípio da razoabilidade decorrente das sucessivas renovações das interceptações, porquanto demonstrada a efetiva necessidade das medidas para apuração dos ilícitos. 4. Hipótese em que o procedimento de quebra do sigilo telefônico atendeu aos preceitos legais dispostos nos arts. 2º e 5º da Lei nº 9.296/96. 5. As provas da materialidade e indícios de autoria apontados no decreto de prisão preventiva são suficientes para indicar que os pacientes são os responsáveis pelos ilícitos perpetrados. 6. Necessidade de garantia da ordem pública frente à continuidade das atividades desenvolvidas pela organização criminosa constituída pelos pacientes, justificando-se a decretação da prisão preventiva como forma de desestruturar e interromper as atividades ilícitas, impedindo a reiteração delitiva e propiciando a desarticulação da quadrilha. 7. A conveniência da instrução criminal e a garantia de aplicação da lei penal também justificam o periculum libertatis na hipótese dos autos. 8. O fato de estarem os pacientes segregados por força de prisão cautelar em nada impede a expedição de nova ordem em processo penal diverso. Isto porque o exame procedido pelo julgador decorre de suporte diferenciado, de modo que o fumus comissi delicti impõe o exame dos indícios de autoria e prova da materialidade para as espécies delitivas apuradas em cada um dos processos. O periculum libertatis, independentemente de serem os fundamentos similares (por questões óbvias de que o modus operandi é o mesmo), também decorre de suporte diferenciado, de cuja análise não há que se descurar o julgador, mormente em se tratando de organização criminosa de grandes proporções. 9. Ordem denegada." São estas as atuais alegações dos impetrantes: (I) ilegalidade da interceptação telefônica renovada sucessivamente no PCD nº 2004.70.00.019229-2 (ofensa aos arts. 2º e 5º da Lei nº 9.296/96, bem como aos arts. 5º, XII, e 93, IX, da Constituição); (II) nulidade, por derivação, não só do recebimento da denúncia, mas também dos demais atos da Ação nº 2006.70.00.019980-5. A propósito do item (I) – ilegalidade da interceptação –, os impetrantes apontam ofensa ao art. 2º, I e II, da Lei nº 9.296/96 (falta de fundamentação), também apontam ofensa ao art. 5º (dies a quo do prazo para o cumprimento da diligência); alegam, ainda, tratar-se de prorrogação desarrazoada e desproporcional, invocando, no pormenor, violação do apontado art. 5º, igualmente do art. 5º, XII, da Constituição. Prestou-me informações a Relatora de origem – Freitas Labarrère –, conclusivamente: "A autoridade impetrada prestou informações (fls. 58/84). O agente ministerial exarou parecer pela denegação da ordem. A autoridade impetrada prestou informações complementares dando conta de que a instrução do processo está na fase do artigo 499 do CPP. E consigna que 'só não houve mais celeridade em virtude da demora no cumprimento de precatórios para a oitiva de testemunhas de defesa, especialmente pela indicação, em alguns casos, de endereços, ou nomes errados por parte das defesas'. A Sétima Turma, na sessão de 24 de outubro de 2006, por unanimidade, denegou a ordem, nos termos de acórdão assim ementado: ................................................................................................................. O referido acórdão transitou em julgado em 06 de fevereiro 2007, tendo os autos sido remetidos à Secretaria de Documentação (Divisão de Arquivo Geral) para fins de arquivamento. Sendo estas as informações a respeito do processo, permaneço a disposição de Vossa Excelência para outras que se fizerem necessárias." Também informações do Juiz do processo vieram a mim, em suma: "Relativamente ao habeas corpus acima citado vimos informar o que segue. Uma das ações penais nas quais foram utilizadas, dentre outras provas, as interceptações telefônicas, a de nº 2006.7000019980-5, especificamente, envolvendo crimes de corrupção e evasão de divisas, já foi julgada. Na oportunidade, assim me manifestei sobre a preliminar de nulidade de tal prova: ................................................................................................................. Embora não há que se falar em legitimação apenas pelo resultado, o fato é que o próprio conteúdo dos diálogos interceptados, e que envolvem a prática de variados crimes, indica o acerto e a correção da manutenção da interceptação pelo prazo que foi mantida. A esse respeito e a título ilustrativo, toma-se a liberdade de remeter aos diálogos transcritos nos itens 37-73 da sentença. Dentre eles, diálogos em que os condenados e os auditores utilizavam nomes fictícios e palavras cifradas, combinando a entrega de ripas ou lajotas. Por oportuno, transcrevem-se apenas os diálogos dos itens 37 e 46: ................................................................................................................. Em anexo, por malote, remetemos, por oportuno, cópia da sentença condenatória prolatada na ação penal 2006.7000019980-5. Deixamos de remeter as peças citadas nos trechos transcritos acima, pois a ação penal, com seus apensos, já se encontra no TRF4 para julgamento dos apelos. Se V. Exa. entender pertinente, poderá, no entanto, requisitar as cópias naquele tribunal, o que este Juízo não pode fazer." É da Subprocuradora-Geral Maria das Mercês o parecer do Ministério Público Federal, nestes termos: "Sem dúvida, é a tutela jurídica da intimidade uma das mais significativas expressões dos direitos da personalidade, tratando-se de valor constitucionalmente garantido, cuja proteção normativa busca assegurar, em favor do indivíduo, uma esfera de autonomia a salvo do arbítrio do Estado. Todavia, tal direito à inviolabilidade não se reveste de caráter absoluto, cedendo espaço, excepcionalmente, às exigências impostas pela preponderância do interesse público, quando existem fundados elementos de suspeita, apoiados em indícios idôneos e reveladores de prática delituosa. Assim, apesar da relevância do direito ao sigilo de dados constitucionalmente assegurado, reconheceu o Supremo Tribunal Federal, de há muito, ao apreciar Questão de Ordem na Petição 577 ('Caso Magri', Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 23.04.93), a compatibilidade jurídica de sua quebra, permitida pelo § 1º, do art. 38, da Lei nº 4.595/64, com as normas inscritas nos citados incisos X e XII, do art. 5º, da CF, quando presentes fundadas razões para a disclosure de informações reservadas. No caso concreto, verifica-se que, anteriormente à instauração da aludida Ação Penal nº 2006.70.00.0019980-7, já tramitavam perante a Segunda Vara Federal Criminal de Curitiba - Seção Judiciária do Paraná – diversos inquéritos que investigavam empresas do Grupo Sundown, pelo cometimento do crime de evasão de divisas, consubstanciado na realização de depósitos em contas de terceiros, que alimentavam contas CC5 mantidas em Foz do Iguaçu. Em razão de tais diligências apuratórias e à conta de comunicações do COAF sobre as operações de lavagem de dinheiro praticadas por aquele grupo empresarial, o Ministério Público Federal requereu a quebra de sigilo bancário, para o completo esclarecimento daquelas operações e, com base nos fatos e dados revelados, buscou, judicialmente, fosse a Receita Federal incumbida de realizar diligências e ações fiscais voltadas às atividades do mencionado grupo, com o fito de apurar eventual cometimento de crime tributário. Dentre as pessoas físicas e jurídicas inspecionadas pela Receita Federal, encontravam-se as empresas OZYX – Indústria e Comércio de Artigos Esportivos Ltda., BSD Comercial, Importadora e Exportadora Ltda., bem como Rolando Rozenblum Elpern, ora paciente, sendo que o auditor fiscal José Luiz Altheia recebera a incumbência de fiscalizar as duas empresas referidas, enquanto Adriana Gianello Costa de Oliveira ficara encarregada da auditagem do contribuinte Rolando Rozenblum Elpern. Somente a partir da suspeita do envolvimento de tais auditores fiscais no processo de fiscalização realizado pela Receita Federal, é que foi deferida, judicialmente, a quebra do sigilo telefônico, assinalada, aqui, como ilícita pelos impetrantes, restando evidenciado, dessa forma, que tal diligência foi, de fato, precedida de diversos outros atos investigatórios. Como bem esclarece a sentença condenatória proferida em desfavor dos ora pacientes, a decisão judicial que autorizou as interceptações telefônicas se reportou aos fundamentos expendidos pelo Ministério Público Federal, ao relatório que instruiu a petição inicial e, principalmente, aos diversos inquéritos anteriormente instaurados para apuração de crime de evasão de divisas, bem como ao procedimento investigatório relativo às operações suspeitas. Como havia comunhão de elementos, a sinalizar, de forma contundente, as práticas delituosas que deflagraram o feito criminal questionado, foram autorizadas, motivadamente, a quebra do sigilo telefônico e a interceptação telefônica. A Defesa aduz que as sucessivas prorrogações das mencionadas escutas, ao longo de mais de 2 (dois) anos, afrontaram o direito individual dos ora pacientes, afigurando-se como medidas violadoras do princípio da razoabilidade. Sustenta, assim, hipótese de clara afronta ao art. 5º, da Lei nº 9.296/96, que estabelece o prazo máximo de 15 dias, renovável por igual período, para aquela espécie de interceptação. O art. 5º da Lei nº 9.296/96 tem o seguinte teor: 'Art. 5º. A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.' De fato, existe um limite temporal para a interceptação telefônica. Todavia, a orientação prevalente é a de que o prazo legal de 15 (quinze) dias pode ser renovado por igual período, sem restrição quanto à quantidade de prorrogações que podem se efetivar, desde que comprovada a necessidade de tais diligências para as investigações. Isto porque o mencionado dispositivo de lei se manteve silente quanto ao número de renovações, sobressaindo, apenas, a exigência da prolação de nova decisão judicial limitadora do direito à intimidade, a cada novo pedido de quebra do sigilo. Nesse sentido, vale trazer à baila a doutrina de Vicente Greco Filho, externada em sua obra 'interceptação telefônica', discorrendo o autor, no seguinte trecho, sobre as possíveis prorrogações da quebra do sigilo telefônico: 'A lei não limita o número de prorrogações possíveis, devendo entender-se, então, que serão tantas quantas forem necessárias à investigação, mesmo porque 30 dias pode ser prazo muito exíguo.' O doutrinador também dilucida que 'a leitura rápida do art. 5º poderia levar à idéia de que a prorrogação somente poderia ser autorizada uma vez. Não é assim; 'uma vez', no texto da lei, não é adjunto adverbial, é preposição. É óbvio que se existisse uma vírgula após a palavra 'tempo', o entendimento seria mais fácil'. O caso em apreço, como já demonstrado, abrange sérias e complexas investigações levadas a cabo pelo Ministério Público Federal, em parceria com a Autoridade Policial, no intuito de desmontar o nocivo e estruturado Grupo Sundown, responsável por lesões de elevada magnitude ao erário público. Suas atividades, eivadas de corrupção e ilegalidade, como apontado pelo Juízo da Segunda Vara Federal Criminal da Seção Judiciária Federal do Paraná, ao proferir sentença condenatória nos autos da citada Ação Penal n° 2006.70.00.019980-5, chegaram a tragar auditores, como forma de interferir, diretamente, nas atividades de fiscalização da Receita Federal. Na prolação daquele édito condenatório, o julgador monocrático esclareceu que, 'no decorrer da interceptação, foram captados diálogos que sugeriam a prática de diversos crimes, como contrabando e descaminho, cooptação de servidor do Bacen, possível tráfico de influencia junto ao BNDES, operações do mercado negro de câmbio, etc (...), o que justifica a duração da diligência.' (v. fl. 2.695 – volume 11). Em casos desse jaez, de elevada complexidade, a interceptação telefônica deve perdurar pelo tempo necessário ao completo esclarecimento dos fatos, devendo seu prazo de duração ser avaliado pelo Juiz da causa, levando em conta os relatórios apresentados como resultado das atividades de investigatórias. Sobre o tema, vale trazer à baila decisum proferido por essa colenda Corte Superior, em hipótese análoga à presente: 'Habeas corpus. Penal. Processual Penal. Prova emprestada. Princípio do contraditório. Matéria não tratada no acórdão. Supressão de instância. Writ não conhecido nessa parte. Escuta telefônica. Prorrogações. Comprovada necessidade. Possibilidade. Ordem conhecida em parte e nessa parte denegada. 1. A proclamação de nulidade do processo, por prova emprestada, depende da inexistência de outras provas capazes de confirmar a autoria e a materialidade delitiva, caso contrário, deve ser mantido o decreto também fundado em outras provas. 2. Nos termos em que manifestado o inconformismo, o ato impugnado não é mesmo o acórdão do Tribunal, mas a sentença condenatória de primeiro grau, o que impossibilita a análise da irresignação, sob pena de indevida supressão de instância, eis que, o tema não foi objeto de debate e análise por parte da Corte de segundo grau, o mesmo ocorrendo no pertinente às impugnadas apreensões de bens, matéria que depende de análise do conjunto fático probatório, inviável no âmbito restrito do habeas corpus, isso levando a que, nesta parte, não se conheça do writ. 3. Não sendo o ato impugnado o acórdão do tribunal, mas a sentença condenatória de primeiro grau, impossível a análise da irresignação, sob pena de indevida supressão de instância. 4. As prorrogações da interceptação telefônica, autorizadas pelo Juízo, de fato não podem exceder 15 dias; porém, podem ser renovadas por igual período, não havendo qualquer restrição legal ao número de vezes, em que possa ocorrer a renovação, desde que comprovada a necessidade. 5. Ordem conhecida em parte e, na parte conhecida, denegada.' (STJ - HC 34.701/SP - Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa – Sexta Turma - DJ de 19.12.2005 - p. 473). Asseveram os Impetrantes, a respeito do termo inicial do prazo estipulado para o rompimento do sigilo telefônico, que tal direito dos réus ficou indefinidamente afrontado, já que a ordem judicial de monitoramento fora lançada no dia 17 de maio de 2004, em desarmonia com a data em que veio o grampo a se efetivar, no dia 21 de junho daquele ano. Ora, o termo a quo deve ser compreendido como a data em que, de fato, se deu a execução da diligência e, não, efetivamente, como a data da decisão judicial proferida pelo julgador. Assim, diferentemente do quanto alegado pela defesa, a garantia dos acusados ao sigilo não ficou indefinidamente violada, já que eventual ilegalidade somente se concretizaria no momento em que se iniciasse a escuta telefônica propriamente dita, marco este a ser tomado para a contagem, inclusive, do prazo de 15 (quinze) dias a que alude o art. 5º, da Lei nº 9.296/96. Tal entendimento revela-se compatível com os percalços enfrentados para a realização da diligência determinada pela autoridade judicial, valendo salientar que, sem dúvida alguma, dificilmente se obtém a quebra do sigilo telefônico no momento em que autorizada pelo magistrado, porquanto tal providência depende da implantação de terminal, pela companhia telefônica. Afirma a defesa, por outro lado, que o juízo monocrático deixou de fundamentar, como seria necessário, a indispensabilidade do meio de prova adotado, renovando a quebra de sigilo por meio de decisões abstratas e desprovidas de conteúdo válido. Como aqui já ficou patenteado, no entanto, a quebra do sigilo ora impugnada encontra-se alicerçada nos diversos inquéritos anteriormente instaurados para apuração de crimes de evasão de divisas, no curso do procedimento investigatório relativo às operações suspeitas, assim como na motivação expendida pelo Ministério Público Federal e no relatório que instruiu a petição inicial. De salientar-se que a indispensabilidade da medida, apontada pela defesa como desprovida de fundamentos, não pode ser apreciada na via sumária do habeas corpus, justamente por demandar o reexame do acervo probatório dos autos. Nesse sentido, inclusive, já decidiu essa Colenda Corte Superior, conforme se colhe da ementa adiante transcrita: 'Penal. Habeas corpus. Cabimento. Multa. Perdimento de bens. Interceptação telefônica. Lei nº 9.296/96. Pena. Fixação. Quantidade de droga crime de associação. Artigo 14 da Lei nº 6.368/76. Progressão de regime. I – Não se mostra compatível com a via do habeas corpus a análise de alegação concernente à pena de multa prevista na parte especial do CP – não mais convertível em detenção - e ao perdimento de bens, pois eventuais vícios nesses títulos do decisum não acarretam qualquer ameaça ao direito de locomoção do paciente. II – Interceptações telefônicas que foram autorizadas judicialmente, nos moldes da Lei nº 9.296/96, não havendo, pois, que se falar em prova ilícita. A tese de que poderia a prova ser produzida por outros meios, o que seria óbice à referida autorização, não pode ser apreciada nesta sede, uma vez que demandaria o exame minucioso do material cognitivo constante nos autos. Por outro lado, não há, no referido diploma legal, a exigência de que a degravação da escuta deva ser submetida a perícia. III – A elevada quantidade e a qualidade da droga apreendida devem ser consideradas na fixação da resposta penal. Nos limites do writ, em princípio, é inviável desconstituir a pena fundamentadamente estabelecida. IV – A regra impeditiva da progressão de regime prevista na Lei dos Crimes Hediondos refere-se ao crime de tráfico de entorpecentes e não se aplica ao delito autônomo da associação, capitulado no artigo 14 da Lei de Tóxicos (Precedentes do STF e STJ). V – Quanto ao art. 12 da Lei de Drogas, o regime integralmente fechado, sendo rejeitado o argumento de que a Lei nº 9.455/97 teria revogado o art. 2º § 1º da Lei nº 8.072/90 (Precedentes). Ordem parcialmente conhecida, e, aí, parcialmente concedida.' (STJ - HC 15.820/DF - Relator Ministro Felix Fischer - DJ de 04.02.2002). Vê-se, destarte, que a interceptação telefônica deferida, motivadamente, pela autoridade judicial, não se acha maculada pela ilegalidade sustentada, a qual, se existente, tampouco teria o condão de contaminar as demais provas produzidas ao longo do feito criminal ou de atingir o decreto condenatório proferido em desfavor dos ora pacientes. A título de argumentação, ressalte-se que Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern respondem a diversas ações penais, sendo que, na Ação Penal nº 2006.70.00.019980-5, ora sob exame, já foram condenados em primeira instância. Contra os acusados, também, há vários inquéritos penais e investigações em andamento, que, provavelmente, resultarão no oferecimento de diferentes denúncias e, conseqüentemente, na deflagração de outras ações penais. Tudo isso resulta da profissionalidade e da habitualidade delitiva dos agentes, mescladas às suas atividades empresariais, funcionando, como bem ressaltou o Juiz singular, como elementos igualmente hábeis a atestar a culpabilidade dos réus. As escutas telefônicas realizadas legalmente foram essenciais para a identificação de diferentes atos de corrupção, bem como dos crimes de contrabando, descaminho e evasão de divisas, achando-se os ora pacientes, como já mencionado, a responderem a diversas outras ações penais. Os interceptados diálogos do ora paciente Rolando Rozenblum Elpern com seu consultor financeiro sugerem que as práticas do delito de evasão de divisas se estendem, desde 1996, até períodos recentes. Ante a relevância dos dados probatórios obtidos com as escutas, sem razão, impugnadas, não há como afastar a necessidade da adoção da questionada providência, que, como já mencionado, encontra respaldo nas normas regentes. Em face do exposto, demonstrada que se encontra a inexistência de constrangimento ilegal a atingir a liberdade de ir e vir de Isidoro Rozenblum Trosman e Rolando Rozenblum Elpern, opina o Ministério Público Federal pela denegação da presente ordem de habeas corpus." A sentença é de 23.11.06, acolhendo em parte o pedido acusatório, da seguinte forma: "148. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva. 149. Absolvo todos os acusados do crime de quadrilha e do crime do artigo 347 do CP, no primeiro caso, por não se vislumbrar quadrilha para prática de crimes de corrupção, e, no segundo caso, por falta de adequação típica entre os fatos provados e o tipo penal. 150. Absolvo Karina Rozenblum Elpern e Paulo Oscar Goldenstein dos crimes de corrupção por não existir prova suficiente para condenação (artigo 386, VI, do CPP). 151. Condeno Adriana Gianello Costa de Oliveira, por uma vez, às penas do artigo 3º, II, da Lei nº 8.137/90 e, por uma vez, às penas do artigo 22, parágrafo único, parte final, da Lei nº 7.492/86. 152. Condeno José Luiz Altheia, por duas vezes, às penas do artigo 3º, II, da Lei nº 8.137/90. 153. Condeno Rolando Rozenblum Elpern, Isidoro Rozenblum Trosman e Sergio Voltolini, por três vezes, às penas do artigo 333, parágrafo único, do CP." É o relatório. HABEAS CORPUS Nº 76.686 - PR (2007/0026405-6) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Ultimamente, tive oportunidade de trazer ao conhecimento da Turma algumas de minhas dúvidas, também preocupações, entre elas, porque sensível e emblemática, a referente ao conflito, diria eu, aparente, entre normas de diversas inspirações ideológicas, fi-lo no HC-44.165, de 2006, e nos HCs 95.838 e 96.521, de 2008. Observem a correlação dos modos e tempos das respectivas ementas, vai aqui um tópico de cada uma: (I) "havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade. Afinal, somente se considera alguém culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (HC-44.165); (II) "havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida, salvo à frente da própria vida" (HC-95.838); (III) "impõe-se, isto sim, se extraiam conseqüências de um bom, se não excelente, princípio/norma, que cumpre ser preservado para o bem do Estado democrático de direito" (HC-96.521). Há semelhança entre as questões, porquanto a que ora nos é trazida também se assenta em princípios de inspirações diferentes: se se lê, no capítulo destinado aos direitos e deveres fundamentais, que o sigilo das comunicações é inviolável, vê-se, no mesmo inciso, que há ressalva, ei-la: "por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal" (Constituição, art. 5º, XII). Alegam, então, os impetrantes que, havendo conflito entre princípios, tal "não se trava no plano da validade, mas sim no da ponderação, no da razoabilidade, da proporcionalidade", daí, a teor da doutrina por eles colacionada, "há de ser conferida primazia relativa ao direito individual". Tanto o Ministério Público Federal, quando requeria, em 13.5.04, a interceptação ao ver da Lei nº 9.296/96, quanto a autoridade judiciária, quando a deferia em 17.5.04, reconheciam o aparente conflito – o sigilo não é absoluto, disseram ambas as autoridades, e sim relativo, o que me levou, aqui e agora, a recordar a teoria da relatividade de Einstein, que definiu, de modo diverso de Newton, o tempo e o espaço –; vão aqui, respectivamente, dois tópicos (das duas autoridades deste caso, é claro): – "A jurisprudência é pacífica quanto à relatividade do direito ao sigilo telefônico, que em nenhum momento impôs de forma absoluta na CRFB, não podendo servir para impedir a persecução criminal, na preservação dos interesses penalmente tutelados, principalmente quando fundamentado o afastamento na Lei 9.296/96. Neste particular, traz-se à colação:" – "Considerando ainda que o direito de privacidade não é absoluto, decreto a quebra de sigilo de dados sobre os terminais instalados ou cadastrados no referido endereço. Restrinjo, porém, a quebra de dados, por economia processual, ao período posterior a 01/01/2002, sem prejuízo de nova apreciação no futuro." Um diante do outro, em situações opostas (princípios/normas, normas/princípios de opostas inspirações ideológicas), defrontando-se – o absoluto e o relativo –, e então indagamos a respeito de quando é a vez de um e de quando é a vez do outro, e há limites – ou não há? –, reparem que, no caso, segundo a sentença, "32. No decorrer do feito, foram prolatadas diversas decisões de interceptação telefônica e de prorrogação das diligências. A interceptação, de fato, teve duração considerável. Não há que se falar, porém, em falta de fundamentação das decisões de afastamento do sigilo telefônico e prorrogação das interceptações. Como se infere exemplificadamente das decisões deste julgador de fls. 30-31, 159-160, 291, 337, 569, 740, 798, 881, 1.210, 1.239, 1.316, 1.334, 1.353-1.354, 1.433-1.434 e 1.508 do apenso XVI, todas elas foram fundamentadas. Evidentemente, em uma decisão de prorrogação, não se faz necessário renovar todos os fundamentos que haviam motivado a investigação, sendo possível remeter aos fundamentos anteriores desde que justificada a necessidade da renovação. As decisões, outrossim, podem ser sucintas, como é próprio da dinâmica de um processo de investigação. Registre-se que no decorrer da interceptação, foram captados diálogos que sugeriam a prática de diversos crimes, como contrabando e descaminho, cooptação de servidor do Bacen, possível tráfico de influência junto ao BNDES, operações do mercado negro de câmbio, etc. (v.g. fl. 740, 881, 889 e 1.316, 1.334, 1.508 do apenso XVI), o que justifica a duração da diligência. Cumpre ainda observar que as decisões mais relevantes para a formação de prova no presente processo, e que implicavam na interceptação dos terminais utilizados pelos auditores fiscais, foram cumpridamente fundamentadas, cf. fls. 1.353-1.354 do apenso XVI em relação a José Luiz Altheia, originando até mesmo procedimento em separado no caso de Adriana, cf. fls. 27-30 do processo 2005.7000027065-9 consistente no apenso XXI, vol. I. Evidentemente, em um processo de interceptação telefônica de duração considerável, é sempre possível selecionar decisões mais e outras menos fundamentadas. Entretanto, o que é relevante é indagar se a interceptação e sua prorrogação foram arbitrárias. No caso, diante das circunstâncias e complexidade dos crimes investigados, bem como a quantidade de indícios de crimes captados nos diálogos interceptados, é forçoso concluir que a medida foi plenamente justificada. Aliás, o próprio resultado da diligência, com a captação dos diálogos revelando a prática de crimes de corrupção e outros, é indicativo de seu acerto. Diante da reclamação da defesa de Altheia de que se fez interceptação de 'prospecção', cumpre registrar que, como se infere nas decisões citadas, que a diligência tinha por propósito colher provas sobre crimes pretéritos, logrando-se porém no decorrer, não só isso, mas também provas sobre crimes em andamento, não havendo qualquer invalidade na utilização de interceptação também com esse propósito. 33. Registre-se que, para investigação de crimes complexos, como os assim denominados crimes de colarinho branco, faz-se necessária a utilização de métodos especiais de investigação, com a conseqüente afetação à esfera de privacidade do investigados. É o preço a se pagar caso se pretenda efetividade na investigação desta espécie de criminalidade, tão danosa, senão por vezes mais, quanto os assim denominados crimes de rua. A complexidade ainda deste tipo de crime leva, excepcionalmente, à extensão por tempo considerável da diligência de interceptação telefônica. Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir que 'a interceptação telefônica deve perdurar pelo tempo necessário à completa investigação dos fatos delituosos'." Reparem, ainda, que, no caso, segundo o acórdão – em habeas corpus – da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "3. Inexistência de afronta ao princípio da razoabilidade decorrente das sucessivas renovações das interceptações, porquanto demonstrada a efetiva necessidade das medidas para apuração dos ilícitos. 4. Hipótese em que o procedimento de quebra do sigilo telefônico atendeu aos preceitos legais dispostos nos arts. 2º e 5º da Lei nº 9.296/96." 2. Que o sigilo das comunicações não é de todo absoluto, vimos, di-lo o próprio texto constitucional, e foi aí que se fez, no ano de 1996, destinada a regulamentar o relativo, isto é, a parte final do inciso constitucional, a Lei nº 9.296/96, conforme a qual, em seus arts. 2º e 5º: "Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. ................................................................................................................. Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova." A Lei nº 9.296/96 é explícita, e bem explícita, em dois pontos, e tal sucede, primeiro, quanto ao prazo de quinze dias, segundo, quanto à renovação; relativamente ao segundo ponto, observem: "... renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova." Enfim, renovável por outros quinze dias. Confiram, entre as lições à cata das quais andei, a de Ada Grinover (in "Revista de Direito Administrativo", vol. 207, pág. 30): "11 - A necessidade de motivação da autorização, sob pena de nulidade – em observância, aliás, ao disposto no art. 93, IX, CF – e o prazo de duração das operações – quinze dias prorrogáveis por igual prazo, desde que comprovada sua indispensabilidade - vêm dispostos no art. 5º. A lei não esclarece se, após a primeira prorrogação, outra será possível. O Projeto Miro Teixeira era expresso, prevendo tantas prorrogações quantas necessárias, desde que continuassem presentes os pressupostos de admissibilidade da ordem de interceptação. O bom senso deverá conduzir o juiz nesse sentido." De igual sorte, confiram estoutra, do magistrado Geraldo Prado ("Limites às interceptações telefônicas...", Lumen, 2005, págs. 38 e 45/46): "33. Disso é possível extrair os elementos a serem empregados no procedimento de interpretação, integração e aplicação da Lei nº 9.296/96. A referida lei não pode – e seus intérpretes não devem – admitir compressão ao sigilo das comunicações telefônicas em grau de restrição superior ao do estado de defesa (artigo 136, § 1º, I, c e § 2º, da Constituição da República). ................................................................................................................. 41. O resultado da aplicação da tese deste trabalho ao acórdão citado no início consiste em concluir que a solução encontrada pelo tribunal, admitindo sucessivas prorrogações de interceptações telefônicas, no lugar de definir o prazo máximo de trinta dias (quinze dias, prorrogável uma vez por mais quinze), como única interpretação do artigo 5º da Lei nº 9.296/96, conforme a Constituição, equipara a restrição (provisória) do direito à inviolabilidade das comunicações telefônicas à suspensão (temporária) do sigilo das mencionadas comunicações, tratando mais gravemente situação jurídica que por expressa previsão constitucional não é equiparável em gravidade àquelas que estão sujeitas ao estado de defesa (art. 136 da Constituição da República). Fere-se o princípio da razoabilidade e se afasta da interpretação sistemática da Constituição, concedendo primazia à função de segurança pública em detrimento do papel assinalado ao juiz pela Carta de 1988, tal seja, o de garantidor dos direitos fundamentais." 3. Conquanto, no caso de que estamos cuidando, várias tenham sido as interceptações de comunicações telefônicas, prorrogando-se, segundo informações dos impetrantes, por mais de dois anos, a lei ordinária, contudo, refere-se a uma renovação; observemos, a propósito, as lições de linhas atrás nestes tópicos: (I) "a lei não esclarece se, após a primeira prorrogação, outra será possível"; e (II) "fere-se o princípio da razoabilidade e se afasta da interpretação sistemática da Constituição". Aliás, recém comissão criada pela Câmara dos Deputados ensejou editorial do "Jornal do Brasil" (de 29.3.08) de tópicos seguintes: "A chamada CPI do grampo já terá lavrado um tento se vier mesmo a merecer tramitação urgente o anteprojeto de lei que o ministro da Justiça, Tarso Genro, prometeu enviar ao Congresso, a fim de tornar mais rígida e excepcional, em termos de aplicação, a Lei 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações telefônicas para prova em investigação criminal e em instrução processual penal. Não se está aqui a falar dos 'grampos' clandestinos – questão também seríssima, a exigir da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e das operadoras um monitoramento compatível com a cláusula pétrea constitucional que declara inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial, 'nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer'. O que se constata, a partir dos depoimentos prestados na CPI nesta semana pelo ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence e pelo presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo, é que a quebra legal dos sigilos telefônicos em investigações policiais passou a ser mais regra do que exceção." A propósito do indicado depoimento de Sepúlveda Pertence à Comissão: "Existem dois pontos dramáticos. De um lado há certa banalização da própria autorização judicial, que tem se tornado cada vez mais início de investigação e não como o último recurso de uma investigação. De outro lado está o vazamento dessas informações, que a lei tenta proteger, mas que se tornou o dia-a-dia da imprensa, em publicar trechos, passagens e interpretações desta ou daquela interceptação." Há mais. O Senador José Sarney, em artigo publicado nas edições do dia 25.4.08 da Folha de S. Paulo e do Jornal do Brasil, escreveu: "Foi uma sedutora e intrigante controvérsia nos temas tratados a subjacente questão de até onde e quando os direitos individuais foram atingidos pelas novas conquistas tecnológicas da informação, o que tem como exemplo os 400 mil telefones gravados por ordem judicial e a invasão da privacidade que decorre de abusos a que nem os advogados escapam." Há mais. Da entrevista do Ministro Gilmar Mendes publicada na edição do dia 23.4.08 da revista "Veja", eis este tópico: "Veja – A CPI dos Grampos descobriu que existem atualmente quase 500.000 escutas telefônicas autorizadas pela Justiça no país. Não está havendo uma banalização dessa ferramenta de investigação? Mendes – Os juízes devem ter mais cuidado em relação a isso. A lei prevê que o prazo para uma interceptação telefônica é de quinze dias. Mas o entendimento dos juízes é que esses quinze dias podem ser renovados de maneira ilimitada. O resultado é que hoje existem escutas instaladas há dois ou três anos em um mesmo telefone. Esses procedimentos precisam ser revistos. Outra questão delicada é a divulgação desse conteúdo por agentes policiais antes mesmo de o juiz ser informado sobre ele. Não temos hoje mecanismos para coibir isso. É notória a participação dos agentes policiais na divulgação, às vezes até em consórcio com órgãos de imprensa. Acostumamo-nos a isso de maneira equivocada. O Judiciário, que autoriza as escutas, tem responsabilidade por isso." 4. Permitam-me, respeitosamente, crer que andam por aí escrevendo e andam também falando exatamente acerca de normas de opostas inspirações ideológicas, também de princípios, aos quais, a uns e a outros, me reportei no início deste voto, sinalizando, lá nos precedentes, pois que lá se me afigurava e, da mesma forma, aqui se me afigura estarmos em presença de conflito (aparente), sinalizando, disse, solução a favor da liberdade (idêntica a razão, se não até maior, tratando-se, como aqui se trata, da intimidade): reparemos que a inviolabilidade é que é a regra, porquanto inviolável é o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à vida privada, etc. Escreveu Bobbio, versando sobre as chamadas antinomias impróprias – especificamente, antinomia de princípio – ("Teoria do ordenamento jurídico", pág. 90): "Fala-se de antinomia no Direito com referência ao fato de que um ordenamento jurídico pode ser inspirado em valores contrapostos (em opostas ideologias): consideram-se, por exemplo, o valor da liberdade e o da segurança como valores antinômicos, no sentido de que a garantia da liberdade causa dano, comumente, à segurança, e a garantia da segurança tende a restringir a liberdade; em conseqüência, um ordenamento inspirado em ambos os valores se diz que descansa sobre princípios antinômicos. Nesse caso, pode-se falar de antinomias de princípio. As antinomias de princípio não são antinomias jurídicas propriamente ditas, mas podem dar lugar a normas incompatíveis. É lícito supor que uma fonte de normas incompatíveis possa ser o fato de o ordenamento estar minado por antinomias de princípio." Se o ordenamento descansa sobre princípios antinômicos, impõe-se como solução a já apontada. Vejam o seguinte: visto estarmos já habituados a nos encontrar diante de questões relativas a regra e exceção, por exemplo, nos casos de prisão e de liberdade provisória, ou também nos casos de prisão por mais tempo do que determina a lei, o procedimento que, nesses casos, creio eu, temos adotado é o de examinar a exceção com olho de lince, tanto que, se a prisão não estiver fortemente fundamentada, não a temos admitido (da mesma forma, temos desfeito prisões provisórias de excessiva duração). Em suma, se os nossos acórdãos privilegiam a regra (a liberdade) e apertam a exceção (a prisão), haverei eu, por conseguinte, de, neste caso, ter por estrita a interpretação da exceção – "salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal" –; aliás, escreveu o inexcedível Maximiliano: "Estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana..." ("Hermenêutica...", 9ª ed., pág. 322). Ou seja: haverei eu de privilegiar a intimidade; afinal, inviolável é a intimidade, inviolável é o sigilo... 5. Vimos, em linhas atrás, a preocupação, também sensível e emblemática, com o excesso – a excessiva utilização do poder/competência conferido à autoridade judiciária, o abuso, a dosagem além das normais recomendações, enfim e até, sua banalização (a vulgarização da medida) –, mas vimos igualmente, e é o que mais nos interessa no momento atual, que não se duvida, até porque aqui se trata de letras da própria lei, de que o prazo de lei é o de quinze dias, renovável por igual tempo. Há, é verdade, de permeio, apelo ao bom senso do juiz, há, também é verdade, apelo ao princípio da razoabilidade, há ainda a lembrança do tempo de duração do estado de defesa – trinta dias, prorrogáveis por outros trinta –, porquanto, no estado de defesa, também se restringe o direito de sigilo de comunicações telegráfica e telefônica (Constituição, art. 136, § 1º, I, c). Entre nós aqui no Superior Tribunal, temos admitido, é verdade, tantas prorrogações quantas necessárias, e, vejam, foi assim que ementei eu mesmo o HC-50.193, de 2006, adotando, é claro, a orientação assentada na 6ª Turma, exemplificativamente, RHC-15.121, de 2004, e HC-40.637, de 2005. Mas estou, ao que me parece, retornando sobre os meus próprios passos (dizem que são de Voltaire as seguintes palavras: "quem não muda de camisas, nem de idéias, é porque não tem umas nem outras"), à procura aqui de solução que melhor me ajuste a reflexões que tenho apanhado ali e acolá, quando diante de conflitos entre normas de opostas inspirações ideológicas – no presente caso, então, entre o absoluto e o relativo, a saber, entre o que é inviolável e o que pode ser quebrado. Afinal, repetindo Maximiliano, interpretam-se estritamente as normas que restringem a liberdade humana. 6. Segundo os impetrantes, a autoridade judiciária, neste caso, descumprira as exigências dos referidos arts. 2º e 5º, pois que "(a) não justificou validamente a existência de indícios razoáveis da autoria e a indispensabilidade da medida, (b) não houve fundamentação juridicamente válida apontando os dados concretos que evidenciavam a indispensabilidade da renovação do monitoramento e (c) o monitoramento telefônico, mantido ao longo de mais de 2 anos (!), extrapola o limite da razoabilidade." Dou-lhes razão, entendendo eu que a interceptação de que estamos cuidando, deferida, vimos, a 17.5.04, renovada e renovada e renovada, tantas vezes renovada, e o foi por mais de dois anos, de exceção, revestiu-se de regra, de medida excepcional, tornou-se medida normal, tornando-se, dessa forma, a interceptação de que estamos cuidando, repito, em medida que, primeiro, ultrapassou o prazo e o tempo do art. 5º da Lei nº 9.296, segundo, o do art. 136, § 2º, da Constituição, ultrapassou também o limite da razoabilidade – vejam, Srs. Ministros, que recente projeto enviado ao Congresso prevê o seguinte: "O prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações não poderá exceder a sessenta dias, permitida sua prorrogação por iguais e sucessivos períodos, desde que continuem presentes os pressupostos autorizadores da medida, até o máximo de trezentos e sessenta dias ininterruptos, salvo quando se tratar de crime permanente, enquanto não cessar a permanência" (art. 5º, § 1º). Observem a exposição de motivos nestas passagens: "... controles sobre a autorização judicial e a forma de seu encaminhamento, controles mais rigorosos sobre os prazos e, mais ainda, controles sobre as operações técnicas, hoje deixadas exclusivamente a critério da autoridade policial, sem qualquer parâmetro fixado. ................................................................................................................. Sempre sob segredo de justiça, o incidente processual será autorizado pelo juiz no prazo máximo de vinte e quatro horas, devendo o mandado judicial indicar, na forma dos incisos do art. 5º, os elementos da quebra. Importante avanço, contudo, é a norma do § 1º ao determinar que o prazo de duração da quebra do sigilo das comunicações não poderá exceder a sessenta dias, prorrogável por períodos iguais, até o máximo de trezentos e sessenta dias ininterruptos, salvo quando se tratar de crime permanente." 7. O ordenamento jurídico não é apenas um conjunto de normas, precisamente, de normas com eficácia reforçada, diriam, entre outros, Ihering e Kelsen (teoria geral de orientação positivista), é, também, um conjunto de princípios, diriam, entre outros, Thomasius e Kant (teoria geral de orientação jusnaturalista), e ambos, normas e princípios (vejam o § 2º do art. 5º da Constituição: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte"), às vezes se confundem, às vezes não; quando não, haveremos, creio eu, respeitosamente, de privilegiar, já disse, o bom princípio, aquele, por exemplo, que diz respeito à liberdade, à intimidade, à vida privada, mas aqui, sabemos todos, existe norma, razão maior para, então, assegurarmos a sua eficácia, o que, aliás, seria de bom proveito a todos nós, porque, com isso, estamos, quero crer, respeitosamente, repito, fazendo opção entre dois tipos de Estado – ou eminentemente de direito, ou de orientação policialesca. Relembremos: (I) "a quebra legal dos sigilos telefônicos em investigações policiais passou a ser mais regra do que exceção"; (II) "há certa banalização da própria autorização judicial"; (III) "a lei prevê que o prazo para uma interceptação telefônica é de quinze dias". 8. Vão aqui algumas palavras sobre exegese puramente gramatical, pois a parecerista nos recorda doutrina a tal propósito. Digo o seguinte. Aqui em cima, quando somos, porque falamos por último, finais, tenho dificuldades, e sérias, de distinguir, digamos, onde a lei não distingue (ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus). E, quando a lei não distingue, quero crer, mui respeitosamente, haveremos de achar a perfeita correspondência entre as palavras e o pensamento da lei, entre o seu texto e as intenções do legislador, tudo, é claro, a fim de corrigir-lhe, se existentes, as imperfeições. Afinal, somos ou não somos nós que à lei damos espírito? Sou daqueles, e todos já sabem, que defendem, com unhas e dentes, a independência do julgador, independência, porém, que não consigo dissociar de interpretação equilibrada, sem paixão, arrojada, se for o caso, mas sempre respeitadora dos direitos individuais. Permitam-me, com isso, retornar ao texto do art. 5º, porque dias fiquei comigo mesmo pensando qual teria sido ali a intenção do legislador ao escrever “não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova”. Pelo menos três coisas me saltam aos olhos: (I) o prazo estabelecido tem limite (“não poderá exceder”, “quinze dias”); (II) o prazo pode ser renovado por igual período (isto é, por mais quinze dias); e (III) tal prorrogação só será possível se indispensável o meio de prova (aí, vejam, existe uma condição clara: “uma vez comprovada”, ou seja, desde que comprovada, se comprovada...). É isso, e só, o que diz a lei. Não é razoável, pois, ir além. Ora, se intenção tivesse o legislador de que tal prazo fosse passível de renovações sucessivas, ele se teria utilizado de outros termos, quem sabe, por exemplo, “renovável por iguais períodos” ou de algo que se assemelhasse à redação do projeto que está no Congresso. Lá o texto, quando se refere às prorrogações, é preciso: o prazo não poderá exceder a sessenta dias, permitida a prorrogação por iguais e sucessivos períodos (...), até o máximo de trezentos e sessenta dias ininterruptos. Há quem diga que, no caso da Lei nº 9.296, o legislador, embora não tenha sido claro na hipótese de ilimitadas prorrogações, deixou latente tal possibilidade, cabendo ao juiz interpretá-la. A mim não me ocorre, dada a natureza da norma de que estamos tratando – porquanto alude à restrição da liberdade –, possa o legislador haver dito menos quando queria dizer mais. Mal ou bem, bem ou mal, o que está ali disposto, e isso é inquestionável, é uma exceção à regra. Se o texto, para alguns, está indeterminado, dúbio, seja lá o que for, o que a mim não me parece, cabe a nós, porque somos finais, repito, dar à norma, limitadora que é do direito à intimidade, interpretação estrita, atendendo, assim, cuido eu, ao verdadeiro espírito da lei. 9. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo de lei (Lei nº 9.296/96, art. 5º), por que não os sessenta dias do estado de defesa (Constituição, art. 136, § 2º)? Ou por que não razoável prazo? Desde que, é claro, neste, tenhamos decisão exaustivamente fundamentada, e não, e aí não mesmo, prazo fora dos conceitos razoáveis. Relembremos que o recente projeto estabelece o prazo máximo de trezentos e sessenta dias ininterruptos, que eu, confesso-lhes, entendo ser uma demasia. Ora, não se interpretam, segundo o excelso Maximiliano (também ocupou ele uma das cadeiras do Supremo Tribunal, entre 1936 e 1941), estritamente as disposições que restringem a liberdade humana; de igual maneira, as que restringem a intimidade, a vida privada, etc.? Concluindo, Srs. Ministros, o meu entendimento, ao contrário do do acórdão da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é o de que há, no caso, se não explícita ou implícita violação do art. 5º da Lei nº 9.296/96, há, sim, violação do princípio da razoabilidade (entre normas/princípios ou princípios/normas de opostas inspirações ideológicas, a solução do conflito, repito, há de privilegiar a liberdade, a intimidade, a vida privada, etc.). Daí que, Srs. Ministros, concedo a ordem a fim de reputar ilícita a prova resultante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das indicadas comunicações telefônicas; conseqüentemente, nulos torno – e declarados assim ficam – os pertinentes atos processuais da Ação nº 2006.70.00.019980-5; que os autos, então, retornem às mãos do Juiz originário para determinações de direito.